Carta Aberta aos designers
Tomo a liberdade de vos endereçar esta carta sobre um assunto que, estou em crer, nos afecta a todos enquanto designers gráficos. Não se trata de um problema novo, e tenho a certeza que a maior parte de nós já passou por esta experiência.
Permitam-me que me explique.
O mês passado recebi uma carta de uma importante instituição do Estado (penso que não estou a violar nenhum código profissional ou ético se revelar que foi o IPPAR). Nessa carta, convidavam-me a elaborar uma proposta de renovação da identidade gráfica e visual do Instituto. A 'consulta', como eles lhe chamam, também requeria a aplicação da nova identidade a uma lista de itens, desde papel timbrado a placas identificativas. Além disso, pediam maquettes para a imagem gráfica de duas galerias, também elas com vários itens incluindo folhetos trilingues, cartazes de programação, material para a loja e, como se isso já não bastasse, uma newsletter. Tudo isto, trabalho gratuito e puramente especulativo. Não sei quantos outros designers receberam este "convite".
Não surpreendentemente, (para todos vós, espero), respondi-lhes agradecendo o contacto e informando que declinava o convite e acrescentei que aquele pedido não só não era razoável, como era totalmente desprovido de ética. Na carta que enviei, expliquei as minhas razões.
Conforme já disse, não se trata aqui de um fenómeno novo - muitos de nós já recebemos 'convites' deste género. Dito isto, não tenho a certeza se existe um consenso de opinião entre os designers em relação a este problema de selecção especulativa. Mas garanto que estou interessado em ouvir as vossas opiniões.
Quando as minhas opiniões chegam aos ouvidos dos clientes, invariavelmente surge a pergunta: que alternativas tem a sugerir? - é estranho como todos ficam sempre surpreendidos face a uma posição contrária à especulação de mercado, como se trabalhar de graça fosse absolutamente natural e correcto. A minha resposta é sempre a mesma.
Há três alternativas razoáveis que me vêm à cabeça. A primeira é promover um concurso aberto com objectivos de design específicos e limitados, que esteja em consonância com as linhas gerais propostas pelo International Council of Graphic Design Associations.
Um bom exemplo desta iniciativa é talvez o concurso para o logotipo do Porto 2001 (apesar de não ter a certeza se eles seguiram todos os critérios do ICOGRADA). Neste caso, a tarefa é muito específica e, apesar de se tratar de um trabalho especulativo - como, aliás, todos os concursos o são - penso que a relação 'investimento vs. perda' é suportável. A segunda alternativa é convidar um número limitado de designers, que são pagos pelas suas contribuições.
Finalmente, a terceira hipótese é familiarizar-se com os portfolios, experiência e práticas de vários designers, e escolher um de acordo com esse conhecimento e informação, na (aceitável) suposição que, em conjunto, se pode encontrar uma solução mútua e viável.
Pergunto-me frequentemente se as pessoas que defendem este tipo de iniciativas especulativas pediriam o mesmo a profissionais de outros campos do conhecimento. Seriam capazes de pedir, por exemplo, a vários autores para escrever de graça um capítulo de um livro e depois escolher o que gostaram mais no fim, ou a um grupo de artistas para pintar um retrato e só escolher depois de pendurar todos os quadros terminados na parede?
Os estudantes e jovens designers não precisam só de orientação e conselhos; precisam também de modelos de comportamento ético a adoptar, e pelos quais se possam reger. Não tenho a mínima vontade de dizer aos meus alunos que o que eles devem contar no futuro da profissão é com trabalho de borla e apresentar o resultado do seu empenho e perícia aos pés dos clientes, para que estes escolham o que mais lhes apetece. Afinal de contas, não somos vendedores de tapetes.
Se calhar já está na altura de, todos juntos, combater esta tendência. Se a maioria dos designers se recusasse a colaborar, especialmente os estúdios mais conhecidos, talvez os hábitos começassem a mudar.
Aguardo ansiosamente o resultado das vossas reflexões.
Com os melhores cumprimentos.
Andrew Howard
20 : 07 : 04 Porto
quarta-feira, maio 18, 2005
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